Disputa de tráfico causa série de crimes: 'Não tem nenhuma inocente', diz delegada

Portas fechadas, pouca gente na rua. A ordem do dia é: ninguém sabe, ninguém viu. Com uma uma criança pequena no colo, um dos moradores que aceitou quebrar o silêncio por alguns instantes disse não aguentar mais conviver com a insegurança dos últimos meses e com as disputas de facções. “Quero é ir embora”, desabafou o homem, apontando “gente que vem de fora” como a razão do terror de quem vive no bairro de Nova Vitória, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

Em apenas oito meses, 19 pessoas foram assassinadas em Nova Vitória. Nos últimos dias, a violência tomou proporções assustadoras: a manhã de quinta-feira, dia 25, e a noite de domingo, 28, foram oito homicídios no bairro. Em toda Camaçari, no mesmo período, foram 11 mortes

Assim, Nova Vitória ocupa uma primeira posição indesejável – é o bairro com mais mortes em Camaçari. Os homicídios registrados este ano correspondem a 12% dos 156 registrados de janeiro a domingo na cidade. O bairro fica à frente de Vila de Abrantes, com 15 homicídios esse ano, e de Monte Gordo, que tem 13 ocorrências.

A maioria dos crimes aconteceu numa mesma via: a Rua Maria Meire. Foi lá que um homem não identificado morreu na quinta. Também foi lá um dos episódios que mais chocou a população: três adolescentes – Emilly Lampanche Rocha, 17, e as irmãs Vitória Nataline Carneiro Cruz, 17, e Renata Carneiro Cruz, 16, foram mortas em uma mesma casa na noite de sexta. Além delas, o namorado de Vitória, Jackson de Jesus dos Santos, 20, que também estava na casa, foi sequestrado e encontrado morto no dia seguinte. Outro adolescente, de 16 anos, foi baleado na região do ouvido e continua internado no Hospital Geral de Camaçari.

“Aqui sempre foi violento, mas era mais suave. De uns meses para cá, ficou assim. Moro aqui há muito tempo e está todo mundo com medo. A população já está acostumada com clima de violência, mas não com esse negócio de chacina”, contou, ao CORREIO, um projetista de 34 anos que vive em Nova Vitória há oito. Pai de duas crianças de sete e dois anos, ele diz que os filhos não saem mais de casa.

Ontem, nas ruas de Nova Vitória, viaturas com policiais de armas em punho passam a cada instante – especialmente na região da Maria Meire. “Estou apreensiva. Só saí de casa porque tive que ir na escola de meu filho”, disse outra moradora que estava na rua. As pichações com as iniciais do Bonde do Maluco (BDM), uma das facções mais violentas do estado, revelam um pouco da rotina dos moradores. "A senhora não sabe o que acontece aqui, moça", disse um homem. Ao ser confrontado, desconversou. Não seria ele a contar o que acontece ali.

"As vítimas todas têm ligação com o tráfico de drogas, inclusive, as três adolescentes que foram mortas na sexta-feira. Elas eram namoradas de grandes traficantes e estavam com os traficantes no momento em que foram mortos, e por conta disso também elas foram mortas. Não tem nenhuma inocente, todas tem vinculo com o tráfico de drogas. Inclusive, a família de todos eles sabem disso", diz a titular da 4ª Delegacia de Homicídios de Camaçari, delegada Maria Tereza.

 Ela explica como uma disputa entre dois criminosos resultou na matança do final de semana. "Em Camaçari tem dois grandes traficantes, Kila e Nicão. Nicão, pra ganhar força, porque estava no presídio, se uniu a dois outros traficantes, que não eram tão grandes assim, mas que ganharam força com Nicão: Capenga e Nana. Esses três se uniram para atacar os meninos de Kila. Por conta disso, Kila se sentiu acuado e nesse final de semana atacou os meninos de Nicão. Então, houve toda essa chacina por conta da briga desses dois traficantes: Kila e Nicão. Bruno é um menino que se diz Máquina, se intitula Máquina, mas ele é o braço direito de Kila. Então, ele participou de forma direta desses homicídios e quando ele não mata, ele determina quem vai matar".

Reforço
Até o prefeito de Camaçari, Ademar Delgado (PCdoB), pediu reforço na segurança à Secretaria da Segurança do Estado (SSP-BA). Em nota, a SSP informou que intensificou o policiamento na região, com a presença de 156 policiais militares, inclusive com a participação do Grupamento Aéreo da Polícia Militar (Graer), do Esquadrão de Motociclistas Águia, do Batalhão de Choque e também das especializadas como a Caatinga, que atua no Polo Industrial.

O secretário da Segurança, Maurício Barbosa, afirmou que a polícia faz há quase um ano e meio o monitoramento das quadrilhas e facções de Camaçari. "Nós já fizemos inúmeras operações com apreensão de armas, drogas e prisão de pessoas. Infelizmente, algumas dessas pessoas que hoje rivalizam e que foram responsáveis pelas ocorrências do último final de semana acabaram conseguindo sua liberdade através de questões relacionadas a processos, mas que, infelizmente, isso voltou a acirrar essas disputas entre os traficantes. Uma das lideranças voltou a ser presa há quase 20 dias, depois de um esforço da Polícia Civil juntamente com órgãos de inteligência e sabemos que essa prisão pode ter relação com o enfraquecimento por parte deste traficante e uma possível tomada de território pelo seu rival. Então, a ordem é: primeiro, fortalecer as ações no bairro onde se deu essas principais ocorrências", explica.

O comandante do 12º Batalhão da Polícia Militar (Camaçari), Henrique Melo, contou que o policiamento foi reforçado no bairro desde a quinta-feira, quando começaram as primeiras mortes. "Reforçamos o policiamento ostensivo e o serviço de inteligência para fazer a captura dos elementos suspeitos e garantir a segurança da população. Nova Vitória é um bairro sem infraestrutura, uma invasão com ruas de barro e barracos de tabua, mas conseguimos fazer o policiamento é realizado a pé, com viaturas e motocicletas", afirmou. Leia mais em Correio24H

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